A arrogância da interpretação a posterioriA história não se repete, mas rima.Mark TwainA história repete-se; essa é uma das coisas erradas da história.Clarence DarrowA
história tem sido definida como uma coisa depois da outra. Essa ideia
pode ser considerada um alerta contra duas tentações, mas eu,
devidamente alertado, flertarei cautelosamente com ambas. Primeiro, o
historiador é tentado a vasculhar o passado à procura de padrões que se
repetem; ou, pelo menos, como diria Mark Twain, ele tende a buscar razão
e rima em tudo. Esse apetite por padrões afronta quem acha que a
história não vai a lugar nenhum e não segue regras - "a história costuma
ser um negócio aleatório, confuso", como também disse o próprio Mark
Twain. A segunda tentação do historiador é a soberba do presente: achar
que o passado teve por objetivo o tempo atual, como se os personagens do
enredo da história não tivessem nada melhor a fazer da vida do que
prenunciar-nos.Sob nomes que não vêm ao caso para nós, essas são
questões atualíssimas na história humana, e surgem mais fortes e
polêmicas na escala temporal mais longa da evolução. A história
evolutiva pode ser representada como uma espécie depois da outra. Mas
muitos biólogos hão de concordar comigo que se trata de uma ideia
tacanha. Quem olha a evolução dessa perspectiva deixa passar a maior
parte do que é importante. A evolução rima, padrões se repetem. E não
simplesmente por acaso. Isso ocorre por razões bem compreendidas,
sobretudo razões darwinianas, pois a biologia, ao contrário da evolução
humana ou mesmo da física, já tem a sua grande teoria unificada, aceita
por todos os profissionais bem informados no ramo, embora em várias
versões e interpretações. Ao escrever a história evolutiva, não me
esquivo a buscar padrões e princípios, mas procuro fazê-lo com cautela.E
quanto à segunda tentação, a presunção da interpretação a posteriori, a
ideia de que o passado atua para produzir nosso presente específico? O
falecido Stephen Jay Gould salientou, com acerto, que um ícone dominante
da evolução na mitologia popular, uma caricatura quase tão ubíqua
quanto a de lemingues atirando-se ao penhasco (aliás, outro mito falso),
é a de uma fila de ancestrais simiescos a andar desajeitadamente,
ascendendo na esteira da majestosa figura que os encabeça num andar
ereto e vigoroso: o Homo sapiens sapiens - o homem como a última palavra
da evolução (e nesse contexto é sempre um homem, e não uma mulher), o
homem como o alvo de todo o empreendimento, o homem como um magneto,
atraindo a evolução do passado em direção à proeminência.Obs. lemingues: designação comum a diversos pequenos roedores.(Richard Dawkins, com a colaboração de Yan Wong, A grande história da evolução: Na trilha dos nossos ancestrais. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 17-18)Sobre a presunção da interpretação a posteriori, é legítimo afirmar que:
a) traduz apreciação crítica sobre tomar o momento presente como fim último da história.
b) é ideia adotada pelo autor como decorrência de sua cautela.
c) é negada pelo que se afirma acerca da caricatura da fila de ancestrais simiescos.
d) por efeito da argumentação desenvolvida no texto, é concepção que contradiz a anunciada no título.
e) denomina o raciocínio que, à luz das conquistas teóricas do presente, apreende adequadamente o passado.