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Dentro de um mês tinha comigo vinte aranhas; no mês seguinte 2138

Dentro de um mês tinha comigo vinte

aranhas; no mês seguinte cinqüenta e cinco; em março de 1877 contava

quatrocentas e noventa. Duas forças serviram principalmente à empresa

de as congregar: o emprego da língua delas, desde que pude discerni-la

um pouco, e o sentimento de terror que lhes infundi. A minha estatura,

as vestes talares, o uso do mesmo idioma fizeram-lhes crer que eu era o

deus das aranhas, e desde então adoraram-me. E vede o benefício desta

ilusão. Como as acompanhasse com muita atenção e miudeza, lançando em um

livro as observações que fazia, cuidaram que o livro era o registro dos

seus pecados, e fortaleceram-se ainda mais nas práticas das virtudes.

(...)Não bastava associá-las; era preciso dar-lhes um governo

idôneo. Hesitei na escolha; muitos dos atuais pareciam-me bons, alguns

excelentes, mas todos tinham contra si o existirem. Explico-me. Uma

forma vigente de governo ficava exposta a comparações que poderiam

amesquinhá-la. Era-me preciso ou achar uma forma nova ou restaurar

alguma outra abandonada. Naturalmente adotei o segundo alvitre, e

nada me pareceu mais acertado do que uma república, à maneira de Veneza,

o mesmo molde, e até o mesmo epíteto. Obsoleto, sem nenhuma analogia,

em suas feições gerais, com qualquer outro governo vivo, cabia-lhe ainda

a vantagem de um mecanismo complicado, o que era meter à prova as

aptidões políticas da jovem sociedade.A proposta foi aceita.

Sereníssima República pareceu-lhes um título magnífico, roçagante,

expansivo, próprio a engrandecer a obra popular. Não direi,

senhores, que a obra chegou à perfeição, nem que lá chegue tão cedo. Os

meus pupilos não são os solários de Campanela ou os utopistas de Morus;

formam um povo recente, que não pode trepar de um salto ao cume das

nações seculares. Nem o tempo é operário que ceda a outro a lima ou o

alvião; ele fará mais e melhor do que as teorias do papel, válidas no

papel e mancas na prática.Machado de Assis. A Sereníssima República (conferência do cônego Vargas). In: Obracompleta. Vol. II. Contos. Papéis avulsos. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959, p. 337-8.No que se refere aos sentidos, à organização das idéias do texto e à tipologia textual, julgue o itemNo texto, a comparação estabelecida entre o tempo e um trabalhador que faz questão de cumprir, ele mesmo, o seu ofício serve de crítica aos governos vigentes, que o autor do texto considera mesquinhos.

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