Quando começa a modernidade? A escolha de uma data ou de um evento não é indiferente. O momento que elegemos como originário depende certamente da idéia de nós mesmos que preferimos, hoje, contemplar. E vice-versa:a) a visão de nosso presente decide das origens que confessamos (ou até inventamos)b). Assim acontece com as histórias de nossas vidas que contamos para os amigos e para o espelho: os inícios estão sempre em função da imagem de nós mesmos de que gostamos e que queremos divulgar. As coisas funcionam do mesmo jeito para os tempos que consideramos "nossos" c), ou seja, para a modernidade.
Bem antes que tentassem me convencer de que a data de nascimento da modernidade era um espirro cartesiano (...), quando era rapaz, se ensinava que a modernidade começou em outubro de 1492. Nos livros da escola, o primeiro capítulo dos tempos modernos eram e são as grandes explorações. Entre elas, a viagem de Colombo ocupa um lugar muito especial. Descidas Saara adentro ou intermináveis caravanas por montes e desertos até a China de nada valiam comparadas com a aventura do genovês. Precisa ler "Mediterrâneo" de Fernand Braudel para conceber o alcance simbólico do pulo além de Gibraltar, não costeandoe), mas reto para frente. Precisa, em outras palavras, evocar o mar Mediterrâneo − este pátio comum navegável e navegado por milênios, espécie de útero vital compartilhado −d) para entender por que a viagem de Colombo acabou e continua sendo uma metáfora do fim do mundo fechado, do abandono da casa materna e paterna.
(Contardo Calligaris, "A Psicanálise e o sujeito colonial". IN:
Psicanálise e colonização: leituras do sintoma social no Brasil.
Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999, p.11-12.)
A única afirmação INCORRETA sobre os sinais de pontuação empregados no texto é:
a) Os dois pontos após vice-versa: anunciam um esclarecimento acerca do que foi enunciado.
b) Os parênteses em (ou até inventamos) − incluem comentário considerado um viés do que se afirma.
c) As aspas em "nossos" firmam o caráter irônico da expressão, exigindo que se entenda o enunciado em sentido contrário (trata-se, assim, de "tempos que nos são estranhos").
d) Os travessões em − este pátio comum... compartilhado − isolam uma apreciação acerca do Mediterrâneo e são equivalentes a vírgulas.
e) A vírgula antes de não costeando pode ser substituída, sem prejuízo da correção, por travessão.